
Reportagem por:
Amanda Nunes Silva
Desde os primórdios da humanidade, temos a necessidade de entender o universo ao nosso redor, bem como nós mesmos. Os avanços científicos nos permitiram respostas para diversas questões.
Mas afinal, o que é ciência? Explicar isso sem dúvidas é algo complexo, mas como já dizia a cientista polonesa Marie Curie, primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e, até então, a única que repetiu este feito, por seus estudos nas áreas de química e física: “na vida, não existe nada a temer, mas a entender”.
Portanto, parte-se do princípio que a ciência é a necessidade humana de entender e questionar aquilo que ocorre a sua volta, é uma busca por conhecimento. Inclusive, a palavra derivada do latim (scientia) se refere ao saber e ao conhecimento. De acordo com o significado literal presente no dicionário, seria um “conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos por observação, a experiência dos fatos e método próprio”.
É preciso ressaltar que a ciência não é inquestionável. Porém, toda afirmação científica necessita ser comprovada, através de testes, estudos, observações e experimentações. Para que algo se torne “científico”, e consequentemente um conhecimento confiável, há um conjunto de etapas e regras que irão avaliar e determinar a credibilidade deste conhecimento, é chamado de método científico. Este procedimento serve como uma ferramenta da pesquisa científica, que possibilita a comprovação (ou não) de teses, leis e processos científicos.
Somente assim, é que a ciência pode se desenvolver, passando as descobertas de uma geração para outra, como uma chave para descobrir fatos e fenômenos do universo e tudo o que faz parte dele.
Contudo, nos últimos anos movimentos anticiência, isto é, indivíduos ou organizações que negam evidências científicas, por vezes criando suas próprias, cresceram. Cada vez mais ouvimos sobre eles nas redes sociais e em outros meios de comunicação tradicional.
Segundo dados da pesquisa de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia do Brasil, realizada em 2019 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o número de pessoas que consideraram que a ciência e tecnologia só trazem benefício para a humanidade caiu entre os anos de 2015 (54%) para 2019 (31%).
De acordo com o estudo, a população possui um grande interesse em questões ligadas à ciência e tecnologia (C&T), porém isso não se reflete em conhecimento. 87% dos entrevistados não souberam informar o nome de nenhuma instituição científica do país, enquanto 94% deles não conhecem o nome de nenhum cientista brasileiro. Também é destacado como preocupante o fato de 73% dos entrevistados considerarem que os antibióticos servem para matar vírus, e não bactérias, por exemplo.
A pesquisa ainda aponta que o consumo de informação sobre C&T nos principais meios de comunicação caiu, o percentual de pessoas que nunca, ou raramente, se informam sobre o tema na internet foi de 51% em 2015 para 61% em 2019. Este padrão não muda muito quando comparado com outros meios de comunicação, como rádio (68% para 81,5%), TV (30% para 52,5%) revistas (59% para 76%) e jornais (61% para 81,5%).
Mas afinal, quais são esses movimentos que assombram a ciência e como eles podem afetar a sociedade?
O MOVIMENTO ANTIVACINA
O movimento antivacina, ou antivax, se opõe a estratégia de vacinação, alegando que as vacinas causam doenças.
Sempre houve quem duvidasse da eficácia das vacinas, mas este movimento teve um estopim em 1998, quando Andrew Wakefield publicou um estudo na revista “The Lancet” onde atribuía à vacina MMR, conhecida como tríplice viral no Brasil, que protege contra o sarampo, caxumba e rubéola, a causa do desenvolvimento de inflamações graves no cérebro. Essas inflamações teriam provocado autismo em 12 crianças que o, até então, pesquisador e cirurgião britânico usou em sua pesquisa.
Mais tarde foi comprovado que o estudo foi fraudado e não possuía bases científicas sólidas. Wakefield perdeu sua licença médica em 2010. Em 2011, a “The Lancet” retirou o estudo depois que uma investigação descobriu que Andrew alterou informações sobre as crianças que serviram de base para a conclusão de seu estudo.
Contudo, o trabalho do ex-cirurgião iniciou debates em todo mundo sobre a real eficácia da imunização e fomentou o movimento antivacina, alarmando grande parte da população que optou por não vacinar seus filhos na época.
Hoje em dia, a relação entre autismo e a vacinação já foi descartada, porém, a desconfiança ainda existe para uma parcela da sociedade.

Atualmente o movimento antivacina foi incluído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre os dez maiores riscos à saúde global. Segundo a Organização, o movimento é perigoso pois ameaça reverter o progresso alcançado no combate a doenças evitáveis por vacinação, como o sarampo e a poliomielite.
Ainda de acordo com a OMS: “as razões pelas quais as pessoas escolhem não se vacinar são complexas, e incluem falta de confiança, complacência e dificuldades no acesso a elas. Há também os que alegam motivos religiosos para não se vacinar ou a seus filhos. A vacinação é uma das formas mais eficientes, em termos de custo, para evitar doenças. Ela atualmente evita de 2 a 3 milhões de mortes por ano, e outro 1,5 milhão poderia ser evitado se a cobertura vacinal fosse melhorada no mundo.”
Em entrevista ao Comunica Ciência, Magda Carneiro Sampaio, que é especialista em imunologia aplicada à pediatria, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e atualmente é vice presidente do Departamento de Pediatria do Hospital das Clínicas, considera os movimentos antivacina perigosos e ressalta a importância da vacinas para combater doenças infectocontagiosas.
“Essa estratégia de vacinar as pessoas para protegê-las contra doenças infecciosas, é uma das estratégias mais bem sucedidas da saúde pública. Eu acho que junto com isso, apenas saneamento básico possa ser tão bem sucedido no sentido de diminuir as doenças infectocontagiosas, reduzir mortalidade infantil, e aumentar a expectativa de vida”, destaca a médica
A doutora ainda salienta o potencial das vacinas em exterminar doenças, como a varíola, por exemplo. “O Hospital Emílio Ribas tinha pavilhões que eram destinados apenas a pacientes com varíola, era uma doença gravíssima, que além de ter uma mortalidade alta, deixava cicatrizes que a pessoa ficava com sequelas físicas, e até mesmo psicológicas, e a vacinação em massa contra varíola, eliminou a varíola. As pessoas não lembram disso, e não faz muito tempo, se deixou de vacinar contra a varíola a partir do começo dos anos 70, e foi a vacina, puramente a vacina, que terminou com esse mal”, conta.
Segundo dados preliminares do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal de 2020 está abaixo do esperado no país. Os índices do PNI (Programa Nacional de Imunização) mostram que apenas cerca de metade das crianças brasileiras receberam todas as vacinas previstas no Calendário Nacional de Imunização em 2020. O ideal é que esse índice fique entre 90% e 95%.
Com essa baixa adesão a vacinação: “corre-se o risco de algumas doenças que estavam estavam muito bem controladas, como é o caso do sarampo, voltar a circular”, explica a doutora Magda.
“O sarampo é muito grave, nos meus primeiros anos como médica a vacinação para a doença ainda estava começando, a cobertura vacinal era baixa, então ainda tinham muitos casos. No ano passado o estado de São Paulo, teve muito sarampo inclusive com mortes de algumas crianças que, como sabemos, perfeitamente evitáveis”, exemplifica a médica.
O sarampo foi erradicado do Brasil em 2016, mas o vírus voltou a circular em território nacional em 2018. De acordo com o Ministério da Saúde, a baixa cobertura vacinal é responsável pela disseminação da doença. No ano de 2019, oito estados, entre eles São Paulo, e o Distrito Federal não atingiram a meta mínima de 95% de adesão a vacinação. E segundo o boletim epidemiológico, editado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, neste mesmo ano houve mais de 18 mil casos de sarampo em todo o país.
“É uma falta de responsabilidade muito grande a questão de não vacinar os filhos. Eu sempre acredito que o esclarecimento, a educação e o diálogo, é a melhor maneira para justamente explicar os potenciais malefícios para a comunidade como um todo” conclui a médica. (Confira a entrevista completa no nosso podcast).
Vale ressaltar que o movimento antivacina cresce muito por meio da mídia alternativa, como as redes sociais e a internet, fomentando notícias falsas, por exemplo. De acordo com o estudo: “As fake news estão nos deixando doentes?” feito pela Avaaz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), cerca de sete em cada dez brasileiros (67%) acreditaram em pelo menos uma notícia falsa e/ou imprecisa sobre vacinas. A pesquisa aponta ainda que 57% dos entrevistados que não se vacinaram ou não vacinaram uma criança citam uma razão que é considerada incorreta pela SBIm e/ou a OMS, como vacinas não serem necessárias ou causarem efeitos colaterais graves.
As redes sociais e os aplicativos de mensagem são apontados pela pesquisa como as principais fontes de informação sobre vacinas. Sendo que, quem utiliza apenas estes meios para se informar está mais propenso a acreditar em alguma notícia falsa. Dos 6% de brasileiros que classificaram as vacinas como “totalmente inseguras”, mais da metade (59%) tiveram contato com fake news sobre vacinas nas redes sociais.
Do conteúdo antivacina avaliado pelo estudo, 32% foi produzido originalmente pelo site “Natural News”, liderado pelo norte-americano Mike Adams, e republicado por sites e contas brasileiras.
No YouTube, por exemplo, os vídeos identificados pela Avaaz somam quase 9 milhões de visualizações, 7,4 milhões somente nos últimos três anos. Um dos influenciadores antivaxxer apontado pela pesquisa é Jaime Bruning, seu canal conta com quase 200 mil inscritos, além dele também é evidenciado os canais: "Ciência de Verdade", "Lair Ribeiro", "Romulus Maraschin" e "Evangelistas do Apocalipse".
É recomendado pela pesquisa, mais ferramentas de verificação de informações falsas, e o melhoramento das que já existem. Além de ocupar as redes sociais com informações cientificamente aceitas, e assim, dialogar com a sociedade para evidenciar a importância da vacinação à saúde pública.

Confira o "Comunica do Ar!", o podcast do "Comunica Ciência" produzido e apresentado por Amanda Nunes. O primeiro episódio é sobre o movimento antivacina, e conta com a imunologista, Magda Carneiro Sampaio, além dos jornalistas Arquimedes Pessoni e Luciane Treulieb.
NEGACIONISMO CLIMÁTICO
A expressão "negacionismo climático" se refere ao pensamento que nega o aquecimento global e / ou que a interferência dos seres humanos tenha um papel relevante neste fenômeno.
Ao que tudo indica, o discurso negacionista em relação às mudanças climáticas ganhou força na década de 1990, pois durante este período houve uma grande movimentação de convenções, estabelecimento de acordos, e leis com o objetivo de minimizar os impactos do desenvolvimento econômico no meio ambiente do planeta.
Dois exemplos foram: a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, também chamado de ECO-92 ou Rio-92. E o Protocolo de Kyoto, criado em 1997, definindo metas de redução de emissões de dióxido de carbono para os países desenvolvidos, considerados os responsáveis históricos pela mudança atual do clima. (Veja a linha do tempo)

É importante que se entenda alguns conceitos que podem gerar confusão. De acordo com Tercio Ambrizzi, doutor em meteorologia, professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Mudanças Climáticas na mesma instituição, o aquecimento global é o aumento da temperatura média do nosso planeta. “Isto não é a temperatura em São Paulo, Londres ou Nova Iorque, por exemplo, na realidade são os dados de todas as regiões do planeta, somados e divididos pelo total, e essa temperatura tem mostrado um aumento sistemático. Ao longo dos últimos 20 anos, a Terra tem batido recordes de temperaturas muito mais altas em relação a média”, explica.
Mas, por qual razão estamos vivendo este aquecimento? Para isso, é preciso compreender primeiramente sobre a troca de calor natural do planeta. Segundo Tercio, a atmosfera do nosso planeta é constituído de vários gases, entre eles o metano, o gás carbônico (CO2), o óxido nitroso, entre outros. A energia que vem do sol aquece a superfície da Terra, esse calor tende a subir e eventualmente escapar para o espaço.
O pesquisador explica que esses gases presentes na atmosfera criam uma espécie de “cobertor”, evitando que parte deste calor escape, sendo retido próximo à superfície. E é graças a este equilíbrio térmico de temperatura que existe vida no nosso planeta.
“Os chamados “gases do efeito estufa” são gases naturais que existem no nosso planeta desde a sua formação. Eles são responsáveis pela existência de vida na Terra, se não existisse esses tipos de gases, a temperatura média do nosso planeta seria uma média de -18 graus, mas pelo fato de existir este equilíbrio, a temperatura média é em torno de 15 graus” aponta o pesquisador.
Contudo, quando os níveis destes gases ficam anormais, há um desequilíbrio nesta troca térmica natural. O calor não escapa para o espaço, aumentando, as temperaturas na terra. “Desde a "Revolução Industrial", o ser humano vem sistematicamente usando mais recursos naturais, queimado carvão, petróleo e com isso produzindo vários gases que fazem com que o equilíbrio de gases naturais que existia na atmosfera seja desfeito. Acrescentando mais gases, a Terra passa a reter mais calor, não permitindo que ele escape, fazendo com que a temperatura média do planeta aumente, criando um efeito estufa" esclarece Tercio Ambrizzi.
O professor ainda dá o exemplo, que uma situação semelhante ocorre em dias muitos quentes com um automóvel. "Pode-se dizer que o mesmo ocorre quando você deixa o carro no sol em um dia de verão. Depois ao abrir a porta dá para sentir aquele "bafo" quente, isso porque os raios solares penetram nos vidros do carro, mas estes não deixam o calor escapar totalmente, cria-se então, uma estufa dentro do carro”, exemplifica.

Aumento do nível dos gases de efeito estufa. O calor fica retido na atmosfera terrestre, aumentando a temperatura média do planeta.
O ser humano vem usando cada vez mais recursos naturais, queimando carvão e petróleo. Isso produz vários gases que vão para a atmosfera
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De acordo com um estudo divulgado pela Nasa e a Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOOA), a última década (2010 - 2019) foi a mais quente da história desde que se começou a registrar a temperatura do planeta. Segundo os dados, que foram comparados com outras agências climáticas e estações de pesquisa, o ano de 2016 foi a mais quente de todos os tempos, seguido por 2019. E a temperatura média global aumentou pouco mais de 1° grau celcius desde 1880, sendo que dois terços desse aquecimento ocorreu de 1975 até o presente momento.

Como dito anteriormente, os negacionistas climáticos sugerem que este aquecimento desenfreado não é fruto do ser humano, sendo uma variabilidade climática natural do planeta. E apontam as semanas de frio intenso, por exemplo, como uma das provas de que na realidade, o aquecimento global não existe.
Ainda segundo os que fomentam esse pensamento, tudo seria baseado em estratégia geopolítica, para que as grandes potências mundiais “impeçam” políticas de desenvolvimento em lugares subdesenvolvidos.
Ambrizzi deixa claro que não há como negar o aquecimento global e a influência do homem neste fenômeno. “Ao longo desses últimos anos, nós temos, sistematicamente, batido recordes de aquecimento. 98% da comunidade científica internacional não tem a mínima dúvida de que o homem tenha sido responsável por esse aumento da temperatura média do nosso planeta, e não existe evidência científica que mostre o contrário”, garante.
O pesquisador explica que com dados do passado, chamados de “dados paleoclimáticos”, como por exemplo testemunhos de gelo, que se coleta em pontos estratégicos nos polos, é possível voltar quase 1 milhão de anos e descobrir informações importantes sobre as eras passadas.
“Existe alguns estudos que conseguiram voltar 800 mil anos, e neste tempo a concentração média do carbono (CO2) na atmosfera era de 285 partes por milhão, nos dias atuais há 416 parte por milhão. Se pegar apenas os últimos 200 anos e fizer uma média, nota-se que nós conseguimos aumentar em torno de 40% a quantidade de CO2 na atmosfera que não existia 800 mil anos atrás. Então, não existe outra explicação a não ser a presença do homem, e o fato da evolução e industrialização ter gerado esse acúmulo de gases na atmosfera” expõe o professor.
Tercio também explica que o aquecimento global tem haver com a mudança de padrão do clima de forma geral. “O aquecimento modifica os padrões de tempo e clima de uma forma que você pode ter eventos extremamente frios, assim como você pode ter eventos extremamente quentes”, esclarece.
O que muda, na realidade, é a variabilidade e a frequência destes picos. “Observa-se que a frequência desses extremos (como grandes tempestades e períodos longos de seca) tem aumentado ao longo dos últimos 20 e 30 anos. Então fato de nós termos eventos mais extremos, e esses eventos ter mais frequência, é o que sugere ser uma resposta da atmosfera ao aquecimento extra que ele vem sentindo”, informa o pesquisador.
O pesquisador ainda alerta sobre as fake news e os impactos que o negacismo pode trazer: “Quando simplesmente começa a causar dúvidas, mesmo com evidências científicas provando o contrário, aquelas pessoas que não têm acesso, ou que não acompanham regularmente notícias e informações que vem da ciência, passa a acreditar que aquilo é possível".
Tercio alega que isso acaba atrapalhando até mesmo o bem estar social. "Prejudica muito, porque hoje nós estamos tentando convencer as autoridades, os tomadores de decisão, que é necessário se adaptar e diminuir as vulnerabilidades nas grandes cidades, por exemplo. Há vários estudos científicos que comprovam os aumentos extremos de chuvas, as cidades não estão preparadas, e serão as pessoas mais vulneráveis, vivendo perto de rios que transbordam ou em encostas que tem deslizamentos, que serão afetadas com isso. Você dizendo que não existe, e não colocando isso como um possível risco a vida humana, tem um impacto muito grande”, adverte.
O MOVIMENTO TERRA PLANA
Os chamados terraplanistas disseminam a ideia de que o planeta não é esférico, como apontam todas as evidências científicas, e sim plano.
No modelo apontado por este movimento, a Terra teria a forma de um disco em uma cúpula, que seria a atmosfera, onde ficaria o sol, a lua e as estrelas. E a borda deste disco seria a Antártida, formando uma espécie de “muro de gelo”.
De acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha, 7% dos brasileiros, cerca de 11 milhões de pessoas, acreditam que a Terra é plana. O movimento que ganhou força nos últimos anos através das redes sociais, e principalmente o YouTube, hoje conta até mesmo com convenções que reúnem centenas de pessoas. A primeira realizada no Brasil ocorreu novembro de 2019 em São Paulo.

Fonte: Datafolha
A noção de que a Terra é esférica surge ainda com os gregos. Aristóteles ao observar, por exemplo, o eclipse lunar, reparou que a sombra da Terra causada pelo Sol na Lua é circular, e ao notar as estrelas percebeu uma mudança de movimento dependendo da região em que as observa, entre essas e outras observações o grego deduziu que o planeta é um globo.
O matemático, Eratóstenes, ainda foi além, e realizou cálculos para medir a circunferência da Terra, chegando a resultados considerados de grande precisão até hoje.
O movimento Terra plana também difunde a percepção de que a Terra é o centro de tudo e o sol gira ao seu redor. Contudo, essa teoria geocêntrica já era debatida como imprecisa no início do século XVI.
Foi Nicolau Copérnico quem desenvolveu o pensamento heliocêntrico, no qual a Terra e os planetas giram ao redor do sol, e que a Terra também gira em torna dela mesma. Essa teoria era contra a noção da época de que a Terra era o centro, defendida pela Igreja Católica, Nicolau acabou morrendo sem ver suas descobertas serem valorizadas. Mas, alguns anos mais tarde, Galileu Galilei criou o telescópio, um importante artefato para a história da ciência, e com ele confirmou a teoria de Copérnico, criando conflitos e sendo ameaçado pela Igreja.
A ideia de que o sol é o centro da Via Láctea e a Terra e os planetas orbitam ao seu redor foi aperfeiçoada por outros cientistas ao longo da história como, por exemplo, Isaac Newton. E hoje é a aceita, comprovada, e reconhecida até mesmo pela Igreja Católica.
Outro grande feito histórico foi a expedição do português Fernão de Magalhães, que realizou a primeira volta ao mundo. O navegador saiu da Espanha, seguiu em direção ao Brasil, e encontrou uma passagem ao sul da América do Sul, entre a Argentina e o Chile, hoje chamada de “Estreito de Magalhães”, que continua sendo uma importante passagem natural, e rota comercial, entre os oceanos Atlântico e Pacífico. O marinheiro chega a Ásia mas acaba sendo morto por nativos nas Filipinas, sob novos comandantes, a expedição parte em direção a África e por fim chega a Espanha novamente, concluindo que a Terra é esférica, já que saiu de um ponto do globo e chegou ao mesmo lugar.

Cartunista:
Mas calma, você não precisa ir ao espaço ou navegar por 3 anos passando frio, fome e sede para também ver que o nosso planeta é redondo.
Segundo Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, que possui doutorado em astronomia e atualmente é professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), há algumas maneiras de se constatar este fato. “Um exemplo pensando no Rio de Janeiro, a pessoa que estiver no alto do Pão de Açúcar vai ver a ponta superior do disco do sol nascer antes de alguém que estiver caminhando no calçadão de Copacabana, porque a Terra é esférica. Outro exemplo, se você pegar um avião comercial de alta altitude, cerca de dez mil metros, e olhar pela janelinha vai notar, mesmo que suavemente, a curvatura da Terra, mesma coisa se tirar uma foto e depois ampliar, não tem mistério nenhum”, afirma.
Alguns argumentos usados por terraplanistas para justificar o planeta ser plano é o fato de: ao jogar água em um prato ela é armazenada, o contrário ocorre quando você joga água em uma bola, pois ela acaba escoando. E também que ao observar o horizonte não se vê curva.
Roberto os refuta: “o da água na bola ignora a gravidade. Se a Terra fosse plana não teria como explicar a gravidade, ela faz com que a gente fique com os nossos pés no chão em qualquer parte da superfície terrestre pois está atraindo para o centro do planeta (ocorrendo o mesmo com os oceanos). Se a Terra fosse um disco, como explicar a gravidade se não existe um centro de massa”, explica o professor.
“E sobre o horizonte ser plano é uma questão de escala, a Terra é redonda porém, o diâmetro dela é mais ou menos 12.800 quilômetros, o seu perímetro é mais de 40 mil quilômetros, isso faz com que a curvatura não seja facilmente visível para alguém que está no nível do mar”, esclarece o astrônomo.
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Com o aplicativo "NASA's Eyes" é possível explorar o nosso sistema solar e o universo. Veja um pouco dessa experiência imersiva com o vídeo ao lado e para mais informações clique aqui.
VIAGEM ESPACIAL


Como já observava Aristóteles, um eclipse lunar ocorre quando a Terra, o sol e a lua se alinham. O nosso planeta faz uma sombra na superfície da lua causada pela luz solar, quando este fenômeno é total a lua fica com um tom avermelhado. O astrônomo e fotógrafo, Alan Dyer, registrou um desses eventos, veja o vídeo ao lado. Entenda mais sobre o eclipse lunar clicando aqui.
ECLIPSE LUNAR
Roberto da Costa ainda discorre sobre como os terraplanistas utilizam a internet para disseminar desinformação de maneira deliberada, em busca de likes e engajamentos. E cita o escritor e filósofo italiano, Humberto Eco, que morreu recentemente e tinha grande aversão as redes sociais. “Ele dizia: "elas formaram uma legião de imbecis, e transformaram o idiota da aldeia em portador da verdade". E esse é o ponto, o "idiota da aldeia" sempre existiu, mas até alguns anos atrás ele não tinha ‘palco’ para difundir suas ideias, hoje em dia ele tem um canal no YouTube, tem um Facebook, Instagram, Twitter e assim vai. Então existe uma quantidade muito grande de informação sem curadoria”, explica o professor da USP.
O astrônomo aponta que a melhor maneira para reagir a este obscurantismo é oferecer informação de qualidade. “O desafio do cientista e do comunicador de ciência, na minha opinião, é justamente expor os fatos e a realidade como ela é. Se combate movimento anticiência oferecendo informação de qualidade com respaldo científico. Falta a nós, cientistas, mais habilidade para se comunicar ciência, eu vejo isso em mim e nos meus colegas, poucos da academia têm essa destreza de sentar, conversar e ser didático e isso que está faltando, além dos jornalistas virem procurar os cientistas”, conclui.
A POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA
Como visto nos casos anteriores, os movimentos anticiência ganham força principalmente por meio de notícias falsas.
Durante a pandemia do novo coronavírus, por exemplo, muitas notícias falsas circularam nas redes sociais. Segundo um estudo, realizado pela AVAAZ, 9 em cada 10 brasileiros viram pelo menos uma informação falsa sobre a COVID-19, e 7 em cada 10 acreditaram em, ao menos, um conteúdo desinformativo sobre a doença.
Parte daí a necessidade de se falar sobre ciência, e fazer com que informações corretas cheguem até a população. Isso pode ser feito através da divulgação científica e do jornalismo científico, ao transmitirem informações técnicas e científicas para o público em geral através da elaboração de uma linguagem mais acessível.
Com essa popularização da ciência é possível garantir além de uma sociedade esclarecida a respeito do processo científico, o estímulo de um pensamento crítico sobre questões relacionadas ao desenvolvimento científico como saúde, economia, meio ambiente, tecnologia etc. E, por último, a possibilidade de uma maior participação das pessoas nos debates de tomadas de decisão sobre políticas públicas que afetam a ciência e a população como como um todo.
O jornalista, médico e professor, Arquimedes Pessoni, que possui experiência em comunicação científica, aponta a pandemia do COVID-19 como exemplo do quanto de alfabetização científica a população demandou para entender alguns conceitos, como: o que é pandemia? O que é endemia? O que é achatar uma curva? Como faz a validação de uma pesquisa para dizer se determinado fármaco é eficiente ou não? Qual é o processo para conseguir avaliar frente Anvisa e outras instituições que controlam a qualidade?
Arquimedes ainda ressalta a relevância da sociedade se informar através de fontes confiáveis. "Falar sobre ciência contribui para que o cidadão possa ser uma pessoa mais esclarecida, que inclusive pense de uma forma diferente. Existe todo um processo de validação, de teste, de colocação de artigos entre pares, para que aquela informação realmente saia com qualidade e que seja verificável do ponto de vista científico. Então, quanto mais você tiver contato com isso, melhor, pois acabará não confiando em fontes que não tenham este selo de qualidade”, explica.
A jornalista Luciane Treulieb, que cursa especialização em Divulgação e Popularização da Ciência na Fiocruz, também ressalta a importância de se falar sobre ciência e como ela contribui para a formação do cidadão. “Tem muito a ver também com o apoio que é necessário para que essas atividades persistam e se fortaleçam principalmente aqui no Brasil. Porque, a partir do momento que se fala sobre ciência, se conta o que é feito nos laboratórios, e dentro dos institutos de pesquisas nas universidades, a população passa a reconhecer o que é feito, a valorizar e apoiar. Nesses momentos que a gente tem vivido, de obscurantismos e movimentos anticiência, é fundamental esse apoio da população, mas dificilmente eles vão apoiar aquilo que não conhecem, então, acho que a importância de se falar sobre ciência vai muito nesse sentido também”, conclui.
É importante ressaltar a diferença entre os termos: divulgação científica que pode, e deve, ser feita por todos aqueles ligados a áreas científicas, como uma extensão da própria atividade científica. Jornalismo científico que é uma especialização praticada exclusivamente pelos profissionais de comunicação, obedecendo a procedimentos exigidos em qualquer atividade jornalística. E, “a comunicação científica, aquela realizada entre pares, de um cientista para o outro, que se dá através de artigos, troca de experiências em eventos acadêmicos etc.”, completa o professor Arquimedes.
A divulgação científica engloba o jornalismo científico, e ela ainda pode ser feita de diversas maneiras diferentes. O biólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará, Hugo Fernandes, por exemplo, faz postagens ilustrativas e vídeos em seu perfil do Instagram sobre temas da atualidade, como as queimadas na Amazônia e Pantanal.
Herton Escobar e Sabine Righetti são jornalistas científicos que já cobriram ciência em grandes veículos de comunicação como O Estado de S.Paulo e Folha de São Paulo. Já o Atila Iamarino, que ganhou grande visibilidade após seus vídeos falando sobre o novo coronavírus, é um biólogo e pesquisador brasileiro, formado em microbiologia com doutorado em virologia e que faz divulgação científica através de seu próprio canal do YouTube e também participando de vídeos no Nerdologia.
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Mas como nem tudo é um “mar de rosas”, existem alguns problemas, especialmente na relação entre jornalistas e cientistas. Arquimedes ressalta a importância de conquistar a confiança do pesquisador, transmitindo credibilidade. “Para o jornalista a dificuldade em escrever ou falar sobre ciência, está em usar alguns sinônimos que não são sinônimos. Veja bem, eu sou casado com uma bióloga, e ela não dá mais entrevistas para jornalistas porque uma vez ela falou de determinada bactéria e o jornalista trocou por vírus, talvez por questão de tamanho das letras, mas mudou totalmente o sentido”, explica o professor.
Com essa relação estabelecida é mais fácil conseguir uma melhor transparência nas explicações e esclarecimentos, se necessários, antes que a matéria seja publicada. Isso pode garantir uma maior “segurança” na hora de facilitar informações técnicas. “Quando se escreve sobre ciência, é preciso estar muito atento sobre quem é o público. Se você escrever de uma forma tão rebuscada quanto pesquisador, acaba não fazendo popularização da ciência. Então, é essencial sempre pensar quem vai entender seu texto”, alerta Pessoni.
Foi pensando nisso que surgiu a Agência BORI, que busca ajudar a construir a ponte e facilitar o contato entre a ciência nacional e a imprensa. De acordo com Sabine Righetti, uma das coordenadoras do projeto e pesquisadora doutora no Labjor, centro de referência para a formação e estudos em divulgação científica e cultural, da Unicamp, na entrevista ao podcast “Vida de Jornalista” de Rodrigo Alvez, a equipe da BORI tem acesso a bases de periódicos e a partir deles seleciona e prepara textos explicativos sobre determinados estudos, instruindo os cientistas a falar com os jornalistas e disponibilizando o contato dos pesquisadores em uma área restrita, porém gratuita para cadastrados, que podem ser jornalistas, freelas e até mesmo veículos de imprensa. (Entenda mais sobre a BORI com este vídeo)
De acordo com uma pesquisa feita pela agência em 2019 com 140 jornalistas de 12 estados e Distrito Federal, a dificuldade em acessar os cientistas brasileiros é um dos principais empecilhos para cobertura da ciência nacional. Portanto, esse trabalho facilita a comunicação e garante que o jornalista tenha um banco de informações de fontes seguras sobre determinadas pautas científicas que queira abordar e divulgar.

Por outro lado, é necessário também espaços na mídia para a informação científica. De acordo com Arquimedes Pessoni: “hoje em dia, até por questão de custo, foi reduzida a quantidade de profissionais nas redações. Há a preferência por profissionais generalistas que escrevem sobre tudo, esporte, cotidiano, política etc. A gente fala que são aqueles que têm um mar de conhecimento com um palmo de profundidade. Nem todos têm que capacitação para escrever sobre ciência”.
No entanto, jornalista observa esse cenário “tomar novos ares” após o novo coronavírus. “Eu vejo agora que a questão da pandemia foi muito importante para a imprensa, principalmente TVs, rádios e portais, pois eles acabaram dedicando muito espaço para falar sobre saúde, e consequentemente ciência. Isso acabou fazendo a imprensa entender que é um assunto no qual a população tem interesse”, aponta Pessoni.
A cobertura jornalística durante o COVID-19 fez um serviço de saúde pública ao informar e alertar sobre a importância de técnicas para a prevenção da doença, através de fontes e informações científicas que foram procuradas para embasar e explicar sobre o novo vírus. “As pesquisas já provaram que a população acredita mais na imprensa a partir desse trabalho feito com a pandemia, já que ela foi, e está sendo, um farol mostrando o que a ciência está dizendo e/ou fazendo”, comenta Pessoni.
É importante também a ocupação das mídias alternativas, como redes sociais e blogs, onde as fake news, e consequentemente os movimentos anticiência, estão. O ambiente virtual é uma das melhores maneiras de se despertar um maior interesse do público por possibilitar maior variabilidade em formas de se distribuir as informações, por vezes mais lúdicas, como vídeos por exemplo.
O jornalista científico Herton Escobar também defende a utilização de meios alternativos de comunicação, como redes sociais e blogs, para aproximar a população dos conhecimentos científicos em um artigo para a revista ComCiência. “A imprensa tem um papel importante como fonte de informações e formadora de opiniões, mas não pode ser o único canal de comunicação entre a comunidade científica e a sociedade [...] a comunidade científica precisa acordar para a realidade, sair da sua torre de marfim acadêmica, e começar a dialogar direta e diariamente com a sociedade, graças à internet e às redes sociais, qualquer cientista pode fazer isso por meio de sites, blogs, vídeos, podcasts e outras plataformas diversas”, evidencia o jornalista.
A LUZ NA ESCURIDÃO
As fake news são, portanto, um “prato cheio” para os movimentos anticiência, uma vez que, parte da sociedade não se informa ou tem acesso a informações de qualidade, de fontes confiáveis com base científicas. O conhecimento científico, na maioria das vezes, permanece no meio científico chegando somente até grupos específicos que já tenham interesse ou familiaridade com o assunto. O que resulta neste certo obscurantismo que se vê hoje.
Segundo os dados da Pesquisa de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil, apesar de boa parte da população não se informar ou acompanhar notícias sobre ciência, como visto no início desta reportagem. De maneira geral, as pessoas têm interesse em assuntos relacionado a ciência e tecnologia, questões sobre saúde e medicina, e meio ambiente lideram o nível de interesse da população, com 79% e 76% respectivamente.
Especialmente agora, com a pandemia do novo coronavírus, o "Índice Anual do Estado da Ciência" encomendado pela 3M , mostra que, pela primeira vez em três edições, o ceticismo em relação à ciência diminuiu 9 pontos percentuais (de 42% para 33%), em relação à pesquisa de 2019 realizada no Brasil. O estudo também revelou que 88% dos brasileiros acreditam que a ciência tornará suas vidas melhores nos próximos 10 anos, além de defenderem maiores investimentos na área ciêntífica.
Vale ressaltar também que os jornalistas, médicos e cientistas estão entre as fontes de informação que a população mais confia. Desta maneira, é necessário tirar proveito deste cenário, ainda positivo em relação a ciência.
O Brasil está entre os 15 maiores produtores de ciência no mundo, mas poucos estudos são divulgados pela imprensa e acabam não chegando à sociedade. Logo, é de grande responsabilidade do jornalista, do divulgador científico, e do próprio pesquisador, possibilitar a transmissão de informações técnicas com uma linguagem simplificada para saciar o interesse que existe na população.
Ao criar essa ponte que aproxima as questões científicas da população. Ocorre a popularização da ciência, uma forma de proporcionar a todos a oportunidade de entender conhecimentos que circulam apenas em uma parcela menor da sociedade.
Quando isso for garantido, os movimentos anticiência não terão espaço para colocar em dúvida fundamentos científicos, pois a população terá maior consciência e pensamento crítico em relação a ciência e as fontes da qual se informa. E poderá entender plenamente sobre a importância da pesquisa científica, e em como ela pode se refletir beneficamente no meio em que vivemos.